“Valentim é produto vital desse ser mestiço que nos tornamos, e, talvez, seja o artista que fez melhor e mais intensamente a síntese sincrética em todas as Américas afetadas por uma colonização brutal que ainda atormenta a consciência no século XXI. Sua contribuição estética ousada e intrépida, não só pela obsessão pelo fazer ou pelo querer legar o testemunho de uma simbologia original transcrita da força espiritual afro-brasileira, mas também pela herança nativa indígena, pelo entrecruzamento de símbolos e sons primordiais e ancestrais que compuseram civilizações milenares na feitura da geometria do sagrado. Valentim quis recriar de forma libertária e corajosa ao traduzir esta poética do sagrado em quase 2.000 obras entre pinturas, relevos, esculturas e objetos, desenhos e sua obra gráfica que o fizeram um dos artistas fundadores do imaginário visual do Brasil.
[…] Sua obra encanta e canta epifanias aos orixás de um novo mundo a contribuir para um projeto utópico e poético. Sonho ainda a ser realizado. Sua gramática poética e mítica se desdobra ou se encaixa peça por peça, cor contra cor ou a favor de outra, no contraponto de totens e do tabu que desafiou ao tocar nas coisas dos terreiros do povo negro miscigenado e que muitos brasileiros não acolhem. E, como se sons de tambores ressoassem em seus objetos emblemáticos, dança-se em um infinito ritual de formas uma corajosa música polifônica que acolhe uma estrutura coral cantado as epifanias de poder e fé. Valentim é a mais plena e original realização, não só do “projeto construtivo brasileiro”, mas de um estético e espiritual desenvolvido com afinco entre as décadas de 1950 e 1980 que definiu uma contribuição preciosa das Américas à arte do mundo.”
Bené Fonteles, “Sagrada Geometria”, Edições Pinakotheke, 2022.