Pinakotheke Cultural apresenta a exposição

“Lygia Clark (1920-1988) 100 anos”

A Pinakotheke Cultural, em sua sede do Rio de Janeiro, realizará, em colaboração com Associação Cultural Lygia Clark, a exposição Lygia Clark (1920-1988) 100 anos, de 21 de agosto a 9 de outubro de 2021, em comemoração ao centenário de nascimento da artista.
Considerada pela crítica de arte brasileira e internacional como uma das artistas mais importantes do século 20, por suas criações pioneiras e originais, Lygia Clark nasceu em Belo Horizonte em 23 de outubro de 1920 e morreu em 25 de abril de 1988, no Rio de Janeiro.

Na celebração de uma das mais importantes artistas brasileiras, a exposição reúne cerca de 100 obras, a maior parte delas inéditas para o público.

A mostra obedecerá a uma cronologia, dividida em 17 ordens conceituais que compõem a sua trajetória de artista: “Escadas” (1947), “Kleemania” (1952), “Quebra da Moldura” (1954), “Linha Orgânica”(1954), “Arte/Arquitetura” (1955), “Superfície modulada”(1955-1956), “Planos em superfície modulada Série A”(1957), “Planos em superfície modulada Série B”(1958), “Espaço modulado” (1958), “Unidade”(1958), “Ovo linear” (1958), “Contra relevo” (1959), “Casulo” (1959), “Bicho” (1960-1964), “Obra mole” (1964), “Trepante” (1965) e “Objetos relacionais” (1968-1973).

Para cada uma desses segmentos o espectador poderá seguir textos de parede escritos pelo crítico Paulo Herkenhoff, que auxiliam a compreensão e a evolução do pensamento da artista e suas criações.

A exposição conta ainda com o ensaio fotográfico feito por Alécio de Andrade (1938-2003) da performance “Arquiteturas biológicas II”,que Lygia Clarkcriou em 1969 no Hôtel d’Aumont, em Paris.

Livro bilíngue, com textos inéditos

Acompanha a exposição o livro bilíngüe (port/ingl) homônimo “Lygia Clark (1920-1988) 100 anos”, formato 21 x 27cm, com textos críticos inéditos, imagens e informações sobre as obras,uma seleção da correspondência pessoal entre Lygia e amigos artistas e intelectuais, fatos relevantes que marcaram a sua relação com o Rio de Janeiro entre abril de 1947 a abril de 1988, e uma cronologia resumida atualizada.

 O primeiro texto do livro é Some Latin Americans in Paris, escrito pelo teórico e historiador de arte Yve-Alain Bois (Constantine, Argélia, 1952), que conheceu Lygia Clark ainda nos anos 1960 em Paris, e se tornou seu amigo próximo. Depois de integrar por 15 anos o departamento de história da arte e arquitetura da Universidade Harvard, Yve-Alain Bois está no School of Historical Studies do Institute for Advanced Study, em Princeton, conhecido simplesmente como “Institute”, instituição lendária que promove e financia pesquisas, onde já estiveram cientistas como Albert Einstein e historiadores da arte como Erwin Panofsky.

A publicação traz também a íntegra inédita de uma entrevista dada por Lygia Clark a Matinas Suzuki Jr. e Luciano Figueiredo em 1986, de que só havia sido publicado um extratono suplemento “Folhetim”, da “Folha de S.Paulo”, em 2 de março daquele ano.

“Pelas amplas janelas do MAM” e “Relato de um paciente” são textos escritos por Lula Wanderley em 2021 especialmente para a exposição.

A partir de sua conferência “Catarse e Lygia Clark: o poder curativo da arte”, proferida em 1998, Marcio Doctors editou e atualizou o texto para o livro.

Lygia Clark

Lygia Clark

Desde as suas primeiras exposições no Brasil, Lygia Clark teve a admiração e estímulo de importantes críticos de arte como Ferreira Gullar(1930-2016) e Mário Pedrosa (1900-1981). Participou da 1a Exposição Nacional de Arte Concreta (1956-57) e em 1959 foi signatária do Manifesto Neoconcreto.

Sua arte rompeu fronteiras, e a partir de 1965, com suas participações na Signals Gallery, em Londres, tem no crítico de arte Guy Brett (1942-2021) um de seus mais fervorosos admiradores a partir de então. Suas obras estão em importantes coleções públicas e privadas, e são vistas em exposições em vários países, como na Fundação Antonie Tàpies, Barcelona, Espanha, em 1998, e mais recentemente “Lygia Clark: The Abandonment of Art, 1948–1988”, no MoMA de Nova York, de 10 de maio a 24 de agosto de 2014; e “A pintura como campo experimental, 1948-1958”, no Guggenheim Bilbao, de 6 de março a 25 de outubro de 2020, com curadoria da peruana Geaninne Gutiérrez-Guimarães, e foco nas obras da primeira fase da artista.

Percurso da exposição “Lygia Clark (1920-1988) 100 anos”

• Escadas

A única coisa boa que ficou [do estudo com Burle Marx] foram exatamente as “Escadas”. Para a artista, ficou o que era reflexão sobre o espaço. Certas Escadas aludem à progressão/regressão do desenho “A verdade sobre a folha da palmeira”, de Paul Klee. As folhas de Klee e as “Escadas” de Clark são triângulos truncados em espiral, articulados no vértice. Essas “Escadas”são estruturas modulares, ritmos arquitetônicos do espaço, fluxos físicos e territoriais de tempo. Nessa poética do espaço, escadas são espaços de passagem, ambivalência entre subir e descer, um devir formado por um contínuo ir e vir, pois, tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo (Heráclito, “Fragmentos”).

• Kleemania

Na primeira geometria programática de Lygia Clark, por volta de 1952, há pinturas em que os planos se sobrepõem, integrados por transparências que lembram aquarelas de Paul Klee. Frequentemente em Klee, como por vezes em Clark, o tempo se transmuta sob firme conotação musical de espaços fugados, referindo às fugas de Bach. Essas questões são um ensaio primordial de modulação da relação espaço-tempo na trajetória de Clark.

• Arte/Arquitetura

Nos anos imediatos do pós-guerra, dois movimentos da arquitetura marcavam Lygia Clark. Em Paris, os estudos com Fernand Léger terão sensibilizado Clark para integração entre arte e arquitetura na reconstrução das cidades europeias, e conduzido seu mestre a problemas da arte no espaço público. “Chamei a isso de ‘a destruição da parede’ ou a ‘parede elástica’. Cria-se outro espaço”, pensa o pintor francês na relação entre arquitetura, parede e pintura. O aludido contato com a obra de Mondrian foi completado pela descoberta do grupo De Stijl, que propôs ideias de construção coletiva sob princípios como o lugar da cor ativa na relação entre espaço e tempo. Na teoria arquitetônica do grupo, o rompimento da caixa fechada (os muros etc.) acaba com a dualidade interior-exterior. Clark aspirou à arquitetura experimental em “Interior”(1955), invertendo toda tradição, pois não é o muro que recebe o quadro, mas é a pintura como práxis material que devora a parede e toda a arquitetura.

• Quebra da moldura

A partir da história social da arte, a tela “Quebra da moldura” (1954), de Lygia Clark, tomou posição e se converteu num ponto extremo da pintura no Brasil em sua condição de espaço concreto. Expor a quebra do marco, que ainda apresentaria seus vestígios (as faixas pretas), e incorporar sua área física já com uma superfície de cor integrada ao campo visual. A operação de Clark convoca o entendimento do quadro como um corpo íntegro que dispensa o que lhe fora agregado historicamente – a moldura – na condição de status social e o isolamento político da arte no mundo. Quebrar significa abolir a moldura até a própria dissolução de suas memórias. Nada mais separa o fato pintura do mundo; nenhum outro traço, para além do signo material da pintura, a ela se adere. Desde a quebra da moldura, em 1954, Clark não fez mais pinturas, desenhos nem esculturas, pois não há qualquer interesse em rompimento das fronteiras entre os meios. O espaço se tornou a investigação central e consistente sob o mais cristalino desdobramento.

• Linha orgânica

A “Descoberta da linha orgânica” (1954) introduz uma questão concreta que é entender o sentido da estreita fresta entre a tela e o que foi moldura. Esse lugar ativa o espaço concreto, articula suas partes, por isso sua denominação como linha orgânica. É orgânica por se o espaço preposicional entre; é o vazio que articula o discurso planar da cor; é o lugar do ar que respiramos que integra e articula as zonas concretas da pintura. O que se havia rompido em “Quebra da moldura” não se dispersa nem produz fragmentos ou cacos, mas paradoxalmente reivindica e produz uma totalidade plástica precisa e coesa como também em “Descoberta da linha orgânica”, seu par conceitual. A pintora dissolveu a instituição do “quadro”, reduzindo à realidade problemática de superfície e plano em sua objetualidade.

• Superfície modulada

As primeiras “Superfícies moduladas” ainda operavam sob a memória do encaixe (como na relação abolida entre moldura e tela) e buscavam a formação de objeto uno. No entanto, as referências à moldura nas “Superfícies moduladas” (1955 a 1956) passarão a minguar para que se esclareça a articulação pelas linhas orgânicas na modulação da superfície pictórica. Serão planos autonômicos (em madeira) que a artista submete à conjunção justapositiva que forma o campo pictórico e suas variações espaciais. O discurso da pintura recorre ao verbo “modular” para modelizar dimensões e intensidades de relações cromáticas. O jogo de percepções se ativa pela presença integrada das funções das linhas orgânicas de coesão formal dos planos e acentua a harmonia da superfície construída por formas seriais. A superfície se uniformiza pela cor chapada, sem deixar traços do pincel ou gestos na aplicação da tinta industrial.

• Planos em superfície modulada Série A

A artista agora desenvolverá uma nova economia formal, com formas mais homogêneas e equilibradas. Os “Planos em superfície modulada” (1956) ressaltam a dimensão puramente planar, descartam a memória da relação quadro/moldura. A pulsão de constituir espaços ordena os planos-placas que se atraem e se ajustam para a formulação de uma unidade espacial, cuja coesão se dinamiza pela linha orgânica. Se desde as “superfícies moduladas” de 1955 não haverá desenho geométrico sobre o fundo, com os “Planos em superfície modulada” praticamente não há cor – a artista se reduz ao preto, branco e cinza, eventualmente opera uma cor primária.

• Planos em superfície modulada Série B

Na segunda série dos “Planos em superfície modulada” (1958) a ambiguidade espacial em Clark se depura pela redução da imagem com novo olhar sobre o preto e branco do suprematismo de Malevitch e sobre o espelhamento das formas de Josef Albers. A polaridade radical e reduzida, integrada e ativadora, da Planos em superfície modulada. Série B nos. 1 e 2 (1958) enuncia uma primeira superação da assimbolia da forma, pois seu encaixe aponta para relação entre Um e o Outro, entre o feminino e o masculino, entre noite e dia.

• Espaço modulado

O “Espaço modulado” (1958) de Lygia Clark retoma o plano único como novo desafio lógico, definido nas dimensões prevalecentes de 90 x 30 cm, o que equivale à modulação por três quadrados de 30 x 30 cm subdivididos de diversos modos. Sobreposta a divisão por malha, prevalece a ideia de modulação em três quadrados, por sua vez atravessados por linha horizontal, vertical ou diagonal de que resultam duas partes dentro de um dos quadrados. Por vezes, ocorre a modulação mais surda, sem a loquacidade da linha orgânica. Há divisões em planos triangulares ou planos horizontais. São traçados sutis de linha branca ou de linha cega, formada por mossa no plano-suporte. O olhar varre o espaço em movimento vertical, apreende a totalidade do espaço e de seus problemas, sem desvios por quaisquer ritmos para os lados.

• Unidade

Uma “Unidade”é uma síntese espacial e temporal máxima no espaço-tempo de Lygia Clark. Sua dimensão de 30 x 30 cm é calculada para a percepção integral num único relance. É, portanto, unidade percepcional que ajusta espaço e tempo como um fenômeno indivisível. A superfície quadrada é pensada para constituir-se também num único ato de conhecimento. Tudo se percebe e apreende num átimo. A consecução do espaço unitário em Clark é síntese rigorosa, pois avança como economia com relação aos excessos do programa De Stijl (cores, divisões espaciais etc.) para reduzir a uma questão algébrica da forma, a um só episódio de leitura e à economia do esforço do globo ocular.

• Ovo linear

O neoconcretismo deu o salto semântico para constituir seu “princípio da simbolização” da forma com o “Livro da Criação” (1959), de Lygia Pape, e na passagem do quadrado da “Unidade” para o círculo do “Ovo linear”(1958, 33 cm), de Lygia Clark. O círculo preto tem um halo de linha-luz branca periférica incompleta como uma falta e abertura, ponto em que se situa a força da forma. “Ovo linear” é o momento primordial: o ser nascendo compreende a definitiva separação entre o eu e o outro. A falha da linha – isto é, a falta, é o ponto de contágio do plano com o mundo, aludindo a situação solitária do nascituro. O “Ovo linear” é tenso em Clark, podendo ser lido como alusão ao parto, tendo ela gerado três filhos. Lygia Clark enuncia sua geometria feminina na investigação da interioridade do sujeito.

• Contra relevos

Na dimensão empírica da construção do “Contra relevo”(1959) de Lygia Clark, os planos em madeira pintada aportam sua espessura corpórea; sobrepostos, eles recusam a simbiose planar entre sua condição de objeto e a parede, alternando entre revelação e encobrimento de si mesmos. Alguns planos são pretos com bordas em branco e vice-versa. No entanto, sua arquitetura folheia espessuras planares e estruturas diagonais, para dinamizar sua posição no mundo, quando um de seus ângulos ocupa o ponto superior da estrutura. Na vista frontal vêem-se apenas planos pretos e brancos, reivindicando o movimento do sujeito em torno do objeto. Clark amadureceu os princípios da historicidade do neoconcretismo. A arte não é a figuração plástica de princípios geométricos, mas é o desenvolvimento de problemas plásticos já legados pela própria modernidade histórica.

• Casulo

A vontade material de Lygia Clark é agora definida por necessidades construtivas do espaço. Dessa forma, recorreu a maleabilidade do metal para as operações do “Casulo” (1959): o plano sobre a dobra, avança sobre o lugar e delimita, não sua zona, mas seu modo de ser espaço real em si. O objeto interrompeu a mimese da parede onde se situa. O “Casulo”é potencialmente a dobra da interioridade do sujeito. Remete, no ciclo vital de alguns insetos, em um estágio radical de transformação. Necessita de exploração por parte do observador para compreensão do polígono que se desdobra e redobra em planos triangulares para além de seu perímetro quadrado.

• Bichos

Depois dos “Casulos”, ocorre a eclosão espacial dos “Bichos” (1960), como a pulpa que emerge adulta. O “Bicho” surgiu como núcleo articulado de planos e dobras. Com a definição do uso do metal para solucionar a estruturação da nova dinâmica do espaço, Clark, para os “Bichos”, recorreu ao alumínio por sua revolucionária leveza estratégica. Os primeiros espécimes eram estruturas rígidas, formadas por planos e dobras, que não se moviam, como o “Bicho ponta” (1960). Mais amadurecido, o “Bicho” tornou-se uma estrutura móvel formada por placas de metal articuladas entre si por dobradiças. O “Bicho objeto vindo de um mundo de fora” (1961) enuncia a demanda de forças extrínsecas da manipulação do objeto pelo sujeito da recepção. “Na relação que se estabelece entre você e o ‘bicho’ não há passividade, nem sua nem dele. Acontece uma espécie de corpo a corpo entre duas entidades vivas”, celebra Clark. No plano da recepção da arte, a conversão do espectador em agente do “Bicho” é o ponto de viragem em que emerge o sujeito neoconcreto. Malgrado os títulos dos “Bichos”, já não cabe pensá-los em termos de representação, abstração ou forma. Os “Bichos” passaram a oferecer múltiplas variações estruturais e possibilidades de movimento.

• Obra mole

Despois dos “Bichos”, as “Obras moles” (1964) representam outro salto na direção do vir a ser em lugar do ser, e se põem em permanente estado de emergência. As “Obras moles”são formadas de material industrial emborrachado para piso. O corte planejado nessa matéria introduz formas que se desdobram e possibilitam o enganche do objeto sobre superfícies e volumes, permitindo a adaptação do seu estar no mundo. Tudo é devir e mais que nunca a obra exerce a vontade material.

• Trepantes

Na mecânica de Lygia Clark, seu foco deslocou-se das articulações da forma para a resistência dos materiais e para seu jogo de tensões com os “Trepantes” (1965). O sujeito participante de um “Trepante” infringe esforço mecânico sobre as faixas de metal que se torcem e retorcem em torções, se dobram e desdobram como uma estrutura fluida, resistem e cedem, se resvalam e se retêm em seu acidentado contato com o mundo. Sob a tensão do material, ou mesmo em repouso, o objeto sempre promete um turbilhão barroco de movimentos, no deslocamento temporal de seu percurso. Na virada linguística de Clark, nota-se que o título “Trepante” também enseja uma repercussão onomatopaica. Agarra-se a pessoas, árvores ou coisas, um corpo vibrátil trepa, libidinoso como no sentido do termo no português coloquial.

• Objetos relacionais e Objetos sensoriais:

Um “Objeto relacional” não tem “especificidade em si… é na relação estabelecida com a fantasia do sujeito que ele se define”, afirma Lygia Clark, “ele é alvo da carga afetiva agressiva e passional do sujeito, na medida em que o sujeito lhe empresta significado, perdendo a condição de um simples objeto para impregnado, ser vivido como parte viva do sujeito”. Em “Objeto relacional em contexto terapêutico” Clark afirma que o processo se torna terapêutico pela regularidade das sessões, possibilitando a elaboração fantasmática vinda das potencialidades do objeto. Os “Objetos relacionais” não derivam para o fetiche, porque, engajado em ação terapêutica, não há possibilidade de ação no sistema da arte, no museu, mercado, crítica ou história. Clark assume o extremo de seu projeto: declara-se não artista.

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